Talvez os anos 1960 tenham sido o momento da história republicana mais marcada pela convergência revolucionária entre política, cultura, vida pública e privada, sobretudo entre intelectualidade. Então, a utopia que ganhava corações e mentes era a revolução – não a democracia ou a cidadania, como seria anos depois –, tanto que o próprio movimento de 1964 designou a si mesmo como revolução. Rebeldia contra a ordem e revolução social por uma nova ordem mantinham diálogo tenso e criativo, interpenetrando-se em diferentes medidas na prática dos movimentos sociais, expressa também nas manifestações artísticas.
Neste período foi a era do Cinema Novo, composto por Glauber Rocha, Nelson pereira dos Santos, Cacá Diegues, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, Ruy Guerra, Zelito Viana. Walter Lima Jr., Gustavo Dahl, Luiz Carlos Barreto, David Neves, Eduardo Coutinho e entre outro que defendiam posições de esquerda. O Cinema estava na linha de frente da reflexão sobre a realidade brasileira, na busca de uma identidade nacional autêntica do cinema e do homem brasileiro, em busca de sua revolução.
Tendo como princípio a produção independente de baixo custo e como temática os problemas do homem simples do povo brasileiro, o Cinema Novo deslanchou em longas-metragens: na Bahia, com a criação de Iglu Filmes e, no Rio de Janeiro, com a filmagem de Cinco vezes favela, patrocinada pelo CPC da UNE (Centro Popular da Cultura da União Nacional dos Estudantes).
Os ideais do Cinema Novo logo cativaram artistas cariocas e baianos, que decidiram adotar os mesmos mecanismos. Nada dos filmes suntuosos outrora produzidos pela Vera Cruz, nenhum espaço para a alienação inerente às deliciosas chanchadas realizadas pelos grandes estúdios. O que se desejava agora era o cinema criado com “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”. O destaque, no Cinema Novo, é para a esfera dos conceitos, é o auge do chamado “cinema cabeça ou autoral”. Importante é refletir nas telas o real contexto brasileiro, através de uma linguagem despojada e adequada à realidade social deste período, marcada pelo subdesenvolvimento.
Na estética deste Cinema predominavam os deslocamentos lentos e escassos da câmera, os ambientes desprovidos de luxo, o destaque conferido aos diálogos, personagens principais dos filmes, muitos deles filmados em preto e branco. Na primeira etapa dessa escola (O Cinema Novo), que se estende de 1960 a 1964, os cineastas se voltam para o Nordeste como fonte temática, abordando os graves problemas que afetam o sertão. São lançadas ‘Vidas Secas’, de Nelson Pereira dos Santos, e ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’, de Glauber Rocha.
A segunda fase, que vai de 1964 a 1968, reflete a meditação destes cineastas sobre os caminhos ditados pela Ditadura Militar para a política e a economia brasileira, as consequências do desenvolvimentismo adotado pelos militares. Surge O Desafio (1965), de Paulo Cezar Saraceni, O Bravo Guerreiro (1968), de Gustavo Dahl, Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha.
A terceira e última etapa do Cinema Novo, que se prolonga de 1968 a 1972, revela o desgaste sofrido por este movimento, com a repressão e, principalmente, com a censura. As produções deste período são profundamente inspiradas pelo Tropicalismo. Recorria-se agora ao famoso exotismo nacional, com o uso de indígenas, araras, bananas, enfim, tudo que é típico das terras brasileiras. Mesmo em declínio, o Cinema Novo traz clássicos como Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, estrelado pelo genial Grande Otelo, baseado na obra-prima de Mário de Andrade.
Infelizmente não demorou muito para que os mecanismos repressivos da Ditadura Militar desbaratassem o movimento, perseguindo muitos de seus representantes, obrigados a fugir do país. Embora alguns dos veteranos do Cinema Novo procurassem se conformar ao contexto político, os mais novos rejeitavam completamente este cenário opressivo. O movimento dá lugar então ao Cinema Marginal.
Fontes:
RIDENTI, Marcelo; Org. FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucila de Almeida. O Tempo da Ditadura Militar e Movimento Sociais. 2ª Ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
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